Os tempos de secura são difíceis e penosos para uma alma que busca a Deus sinceramente; essa provação desanima muitos. Mas ouso dizer que esses tempos são mais penosos e mais perigosos por causa da conduta que seguem ordinariamente as pessoas assim provadas. A primeira falta que elas cometem é faltarem à confiança na oração, é descurarem o dar-se a ela, ou a ela se aplicarem displicentemente num tempo em que mais necessidade têm dela. A dificuldade que achamos em aplicar-nos nunca deve fazer-nos abandonar os exercícios de piedade que são ou de dever ou de uso. A virtude consiste em fazer a vontade de Deus: não se pode inculcar excessivamente isto. Deus quer que, em tal tempo, uma alma religiosa esteja na meditação, na oração, no coro, na leitura pública ou particular, etc. Não deve ela faltar a isto, pois ignora se em algum desses exercícios Deus não lhe mudará as disposições: deve, pois, ir a eles com confiança, no desejo e na esperança de aproveitar das graças que Deus lhe conceder.
Mas dizeis: Eu não faço nada disso; repleta de aborrecimento, de tédio, de distrações, não tenho nem bom pensamento, nem bom sentimento; o meu espírito está cego, e o meu coração está mudo.
Sei o quanto é penoso esse estado, pelo combate contínuo em que se precisa estar. Mas será um consolo para vós estar segura de que fazeis a vontade de Deus, desde que estais na ocupação que Ele pede de vós. Se solicitardes com confiança a graça de suportar com paciência esse estado de tédio e de aborrecimento, e de perseverar na fidelidade apesar da pena que experimentais, Deus não vo-la recusará; e, se Ele vos fizer esperar algum tempo por essa mudança para a qual implorais a Sua misericórdia, será só para experimentar o vosso amor, e para aumentar o vosso mérito.
Aliás, é fora de propósito vos afligirdes com as distrações. Elas só são culposas na medida em que a elas nos entregamos voluntariamente. Se nos desviamos delas assim que as percebemos, elas não impedem a oração de ser agradável a Deus; a oração torna-se, com isso, duplamente meritória. Pratica-se, nela, a um tempo, a piedade e a mortificação. O mérito é fundado nas dificuldades vencidas pelo espírito de fé e de amor. Quando, pois, a distração se renovasse a cada momento, renunciai-lhe com a mesma fidelidade, para vos repordes na presença de Deus, e não tereis censuras a sofrer da parte d’Ele. A leviandade de espírito desvia o coração da oração; mas Santo Agostinho, diz que, quando gememos com essa corrupção e nos humilhamos dela, continuamos a orar.
A Religião é sempre consoladora quando nos apegamos aos seus princípios, e quando lhe seguimos com docilidade as práticas.
Eis que não experimentais nem bom pensamento nem bom sentimento de que possais ocupar-vos na oração. Nisto pode haver perturbação ou preguiça. Perturbamo-nos com o nosso estado; e, desde que a perturbação se apossa de uma alma, esta já não reflete bastante para achar os meios de se sustentar. A perturbação escurece as luzes: não nos detemos em nenhum dos meios que entrevemos, e que passam rapidamente pela mente, porque não os consideramos suficientemente para apreendê-los e os pôr por obra. Na perturbação, o temor prevalece, o coração se confrange; ela quase não deixa lugar aos dons que Deus está disposto a nos fazer, e assim opõe obstáculo à sua liberalidade.
A preguiça faz com que não nos demos o trabalho de refletir sobre as máximas da Fé, para no-las aplicarmos; que nos cansemos de combater, pela pena que nisto achamos. Em breve imaginamos que combater com perseverança é uma coisa acima das nossas forças. Deixamo-nos levar à negligência, que torna ainda mais penosos esses santos exercícios, ou os abandonamos inteiramente.
Não é muito difícil remediar essas falhas. Deveis estar certa de que esse estado não é mau em si mesmo; que nesse estado podeis ser agradável a Deus e adquirir muitos méritos para o Céu, como já vo-lo fiz notar. Por que, pois, vos perturbardes com isso? Se só o Céu buscais, encarai o vosso estado como um bem, visto que ele vos pode conduzir a ele; e conduzir-vos a ele mais seguramente do que um estado mais agradável à natureza e ao amor próprio. Alargai o vosso coração por motivos de confiança que a Religião vos fornece, para receberdes o socorro de Deus. Aceitai da mão do Senhor esse estado penoso; suportai-o com paciência por todo o tempo que a Deus aprouver vos manter nele; oferecei-lho, enfim, em espírito de penitência e de satisfação. Não há alma que não possa, que não deva humilhar-se diante de Deus, submetendo-se aos rigores interiores que experimenta. Estes santos pensamentos vos apegarão a Deus, o vosso próprio estado vo-los fará nascer. Desde que a perturbação e a inquietação não mais vos ocuparem, volvereis os olhares para o Céu, de onde o socorro vos deve vir.
A meditação torna-se outro motivo de inquietação; e eis aqui a cilada que a tentação vos arma, para vos tornar penoso esse santo exercício e impedir-vos de aproveitar dele. Essa tentação também vos desvia da vontade de Deus, impedindo-vos de seguir o atrativo que Ele vos dá, para vos apegar à vossa vontade por uma maneira de meditação que é da vossa escolha e que Deus não vos dá; e isso contra a máxima geralmente aprovada, de que em tudo, e mormente na meditação, devemos seguir o atrativo de Deus. Se Deus conduz uma alma à meditação por vistas de várias virtudes, enquanto uma primeira vista a ocupa, não deve ela desviar-se dela. Desde que essa já não a ocupa mais, deve ela prender-se àquela que Deus lhe apresenta. Mas, como se fosse necessário só se ocupar de um único objeto, e como vários não podem ocupá-la utilmente, ela se desvia desse atrativo para se obstinar no primeiro assunto, que não lhe fornece mais nada; e, querendo fazer a sua vontade contra a vontade de Deus, não pode ocupar-se de coisa alguma útil.
Deus atrai outra alma por meio de reflexões seguidas sobre as grandes verdades da Religião; quer que ela as aprofunde, para fazer uso delas na sua conduta. Mas não foi esse o plano que ela formou para si. Quereria ser toda sentimento por Deus: só se compraz nos afetos, e as reflexões a aborrecem. Sai então da trilha que o Senhor lhe marcou, escolhe outra onde não O acha. Deixa escapar mil reflexões úteis, para se consumir enfim em frios sentimentos que não a satisfazem, porque só vêm dela mesma. E queixa-se de não poder ocupar-se na meditação.
Uma terceira alma quereria seguir o método comum da meditação, refletir sobre o objeto que preparou, entrar nos sentimentos que essas reflexões fazem nascer, tomar, em consequência, as resoluções que devem corresponder a elas, e, segundo esse método, ocupar-se de Deus. Mas não é isso o que Deus pede dela; Deus quer ocupar-lhe o coração muito mais do que a mente. Se ela se desviar do sentimento que Deus lhe dá, para voltar às reflexões, mil distrações desviá-la-ão do seu objeto, sobretudo se ela tiver uma imaginação viva, que, num momento, leva longe a reflexão, e, de alguma sorte, vê tudo num relance. Breve não terá ela, pois, nem reflexões santas nem bons sentimentos: cansada de lutar contra si mesma, desesperando de ser bem sucedida, abandonará a meditação, ou nela se entregará a distrações voluntárias.
Toda pessoa, desolada de não achar o Deus que acredita procurar de todo o seu coração, cai no desânimo. A oração vem a pesar-lhe: e ela abandona-a. Prestai atenção a isto: essa dificuldade de se ocupar de Deus provém do fato de ela resistir ao espírito de Deus, para seguir o seu próprio espírito. Se ela se deixasse conduzir por esse espírito divino, logo as suas queixas cessariam, pela facilidade que ela acharia em praticar esses santos exercícios, ou por vantagens que deles tiraria para a sua perfeição.
O método comum é ótimo, é sempre o primeiro que se deve seguir. Mas, quando o espírito de Deus proporciona um atrativo particular, é conselho de todos os Padres espirituais que nunca se deve contrariar esse atrativo, e, que a pessoa deve deixar-se conduzir pelas impressões dele, consoante a palavra do Salvador: “O espírito sopra onde quer: deve-se escutá-lo sempre” (Jo 3, 8).
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